Comfundo | sacolas de papel | dimensões variáveis | 1990

 

Não são sacos de gatos nem compram gatos por lebres. Não estão cheios de nada, mas estão plenos de ar. Arquitetura em balanço. Pilares de um espaço imaginário que se dá entre as paredes, entre os limites, no vazio. Como sustentar o espaço? Como ser viga de um pensamento que iludia o espaço como servo do volume? Estruturas frágeis, colunas poderosas de ironia. Sacolas sem marcas, sem tipos, sem logos. Funções desviadas, lógica imprevista. Não estão ali para cumprir a sua origem, muito menos para atingir um fim. Meios irônicos, apenas, para alterar a previsão de um objeto de arte e sua função no espaço. Produtos da imaginação: férteis, oníricos, perversos. E perversos porque desviantes. Não sustentam funções originais, enquanto sacolas ou enquanto pilares. E não sustentam, mais ainda, quaisquer valores que queiram arcar com algo mais que a pura precariedade, física ou ideológica. Antes de tudo, produtos pensados para construir um espaço simbólico, ainda que supondo, inversamente a sua ruína. Pois, qual simbologia pode se erguer quando a própria noção de valor se acha abalada? A idéia é essa: fazer ruir o espaço imóvel, dominado. Abalar exatamente os suportes do domínio. Tocar apenas nas infinitas chances de relação com o vazio. Não haveria porque insistir na plenitude, no volume no conteúdo, no momento justo em que a imagem é tão somente o seu continente, a sua aparência. O lado serial do trabalho, sim, insiste em alguma coisa: afirmar, obsessivamente, que o objeto é apenas elo de um processo sem heroísmo. Não há utopia. Resta o espírito da mordacidade e do humor, sintomas da arte pós-Duchamp. Ready-made pervertido, re-significado; pilar de uma estética que ainda abala o mundo na sua irreverência anti-institucional, que ainda sacode os modelos de uma construção ideal. Inoperantes, as colunas revertem a expectativa da sustentação e, paradoxalmente, operam como sustentáculos do simbólico, da arquitetura incongruente do vazio. Há ordem, há clareza, há inteligência e construção. Há porém a eminência latente de que tudo pode ser uma mentira, de que “todo sólido se desmancha no ar”. A distância entre o ar e o ar pode ser uma folha de papel ou um saco com fundo.

 

Ligia Canongia, 1990.